Em uma análise superficial, os números das eliminatórias são cruéis com a Seleção do Equador. Dos 26 pontos da Tricolor, 18 foram conquistados na altitude de Quito. Fora de casa, conseguiram apenas duas vitórias – contra a Bolívia, na altitude de La Paz, e contra o Chile, em Santiago, – além de empates contra Peru e Colômbia e cinco derrotas. É um retrospecto que permite imaginar uma seleção fraca, que só consegue ir em frente porque sabe tirar proveito dos 2.800 metros de altitude da capital do país.
E é com esse rótulo que o Equador chega ao Qatar. Embora não se possa dizer que o status seja falso, uma análise mais profunda mostra que, mesmo sem ser brilhante em momento algum, a seleção é muito mais do que um time que sabe jogar apenas com a ajuda do ar rarefeito de Quito.
A Seleção do Equador está entre os países da América do Sul que mais apostam em treinadores estrangeiros. A liga nacional, por exemplo, é repleta de forasteiros – nomes como o do espanhol Miguel Ángel Ramírez e o do argentino Fabián Bustos, com passagens recentes por Internacional e Santos, respectivamente, incorporam a lista. Não poderia ser diferente com a La Tri.
Desde 2018, passaram pela seleção o colombiano Hernán Darío Gómez e o holândes Jordi Cruyff — filho de um dos maiores expoentes do futebol dos Países Baixos, Johann —, que sequer chegou a comandar a equipe.
O atual comandante é o argentino Gustavo Alfaro, que assumiu a seleção no início das Eliminatórias, e agrega os toques hermanos no futebol equatoriano bastante miscigenado nos últimos tempos. No cenário da chegada de Alfaro à frente dos apelidos, poucos eram os motivos para crer no sucesso nacional. Vindo de uma participação terrível na Copa América de 2019 – duas derrotas e um empate em três jogos —, o Equador chegou às Eliminatórias dentro do grupo dos desacreditados.
Sem grandes estrelas, com promessas com pouca experiência internacional e com um estilo de jogo pouco confiável, os equatorianos tinham tudo para, no máximo, lutar por uma vaga na repescagem. Mas o novo comandante e seus discípulos encontraram condições para trilhar um caminho melhor. Sem nenhuma pressão para apresentar um bom futebol, os andinos apostaram no que tinham de melhor: força e preparo físico.
Não demorou muito para a química entre o argentino e os equatorianos darem liga e La Tri começou as Eliminatórias como uma grata surpresa, com vitórias convincentes e históricas contra Colômbia (6-1), Uruguai (4-2) e Bolívia (3-2, em La Paz). A campanha até o Qatar se fez uma constante e a equipe conseguiu a classificação para o Mundial de forma direta com uma rodada de antecedência, contrariando as expectativas do início do qualificatório.
O maior susto em relação à vaga, entretanto, veio dos bastidores do futebol. Em busca de conquistar a qualificação para a Copa do Mundo depois de ficar de fora em 2018, o Chile entrou com uma denúncia na FIFA com a alegação que o lateral-direito Byron Castillo, atualmente no León, teria nascido em território colombiano e não poderia atuar pela Seleção do Equador. O rumor não se confirmou e, às vésperas do início do torneio, a federação máxima do futebol rejeitou o argumento dos chilenos e garantiu a volta da tricolor ao Mundial após um hiato de uma edição.
O que esperar da Seleção do Equador?
A Seleção do Equador chega à quarta disputa de Copa do Mundo desfalcada de um histórico artifício: a altitude. Durante as Eliminatórias, longe dos 2.850 metros acima do nível do mar de Quito, a equipe só conquistou duas vitórias. Ainda que o grupo permita surpresas, é difícil acreditar que o Equador conquiste uma das duas vagas.
Caso consiga superar a briga contra Senegal, uma campanha até as oitavas de finais — e portanto similar a protagonizada na Alemanha, em 2006 — já seria um grande feito à Seleção do Equador. Mesmo que não se classifique ao mata-mata, pode-se esperar bons frutos dessa geração em um futuro não tão distante. Resta saber como será o desempenho das promissoras sementes nos próximos anos.
O craque do time
Se não o maior, Enner Valencia é um dos grandes nomes do futebol equatoriano nos últimos anos e chega à Copa do Mundo em grande fase, além de também ser um dos poucos na lista dos convocados com experiência em Mundiais. Revelado pelo Emelec, atua no futebol do exterior desde 2013 e coleciona passagens pela dupla mexicana Pachuca e Tigres e pelo West Ham, da Inglaterra, por onde atuou entre 2014 e 2017.
Atualmente é treinado por Jorge Jesus, no Fenerbahçe, da Turquia, e marcou 11 gols em 15 na presente temporada. Figurinha lembrada pelos treinados da Seleção do Equador desde 2012, Valencia marcou os três gols equatorianos na Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e, durante o ciclo para o Mundial do Qatar, se tornou o maior artilheiro da história da seleção ao atingir a marca de 35 gols e superar o já aposentado Agustín Delgado.
O bom coadjuvante
O lateral esquerdo Pervis Estupiñán começou a carreira na LDU Quito, antes de perambular por vários times da Espanha até chegar no mais relevante deles, o Villarreal, há duas temporadas. Por mais que não tenha sido titular absoluto do Submarino Amarelo, viveu boas jornadas no clube, especialmente na campanha até as semifinais da última Champions. No semestre passado, seguiu para o Brighton, da Inglaterra.
Com passagens pelas seleções de base da Seleção do Equador, desempenha um papel protagonista na seleção principal, com destaque nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. No contexto da tricolor, faz-se bastante útil ao setor ofensivo dos apelidos dada a capacidade nos cruzamentos.
A promessa
Em um momento de renovação, a Seleção do Equador facilita o acesso de novatos à seleção principal. Entre os presentes na lista dos convocados, quem mais se sobressai é o meia Moisés Caicedo, 20, companheiro de Estupiñán no Brighton. Ao mesmo tempo em que atrai interesse de outros clubes de peso da Premier League, se habilita como uma revelação desta Copa do Mundo. Foi revelado pelo Independiente del Valle, um dos clubes mais organizados da América do Sul nos últimos tempos, e se destaca pela capacidade de desempenhar tanto o papel defensivo como também o ofensivo no setor central do gramado.
O veterano
Aos 34 anos, Ángel Mena é um armador que realizou menos do que prometera nos tempos de Emelec. Parecia pronto a alçar voos maiores na carreira e, apesar da história vitoriosa com os Eléctricos, nunca foi muito para frente. Deixou Guayaquil tardiamente e, depois de uma passagem pelo Cruz Azul, virou o melhor jogador do Campeonato Mexicano com a camisa do León ao colecionar números ofensivos impressionantes ano após ano. Ainda que chegue abaixo do radar, se destaca pela qualidade na armação das jogadas e também pela capacidade de defini-las. Soma 66 gols nos últimos quatro anos.