Foram mais de três décadas de incertezas em Nápoles. Desde o último título italiano conquistado pelo Napoli em 1990, com Maradona, o clube do sul da Itália desceu ao inferno antes de ressurgir. A década seguinte ao momento mais vitorioso da história do Napoli foi marcada por rebaixamentos, com o último, em 2001, deixando o clube em ruínas, que culminaram na falência em 2004. Demorou, mas o clube se reergueu e voltou ao topo do Italiano. Nas últimas 10 temporadas, foram sete classificações pra Champions League.
O título deveria ter vindo em casa, com o Diego Armando Maradona – e as ruas da cidade – pintado de azul. Mas o empate contra a Salernitana deixou o time de Luciano Spaletti a um ponto da conquista, com seis jogos a disputar. O treinador até brincou com o fato, dizendo que “todo mundo ia comemorando aos poucos”. Pra quem esperou 33 anos, três dias não fariam mal.
A atual temporada já é histórica. Desde 2022, o clube foi abrindo mão de alguns ídolos recentes do elenco. Insigne e Martens, que eram referências no ataque durante quase uma década, foram pro Canadá e pra Turquia, respectivamente, e Koulibaly trocou a Serie A pela Premier League. Pros seus lugares, o Napoli aproveitou a revelação nigeriana do campeonato, trouxe um georgiano de nome complicado e contratou um jovem sul-coreano, destaque na liga turca.
O ano que deveria ser de reconstrução foi se mostrando especial a cada semana. Na Champions League, o Napoli caiu num grupo com o Liverpool, Ajax e Rangers e garantiu a liderança sem grandes problemas. Foram 20 gols em seis partidas, incluindo um 4×1 contra os ingleses, em Nápoles, e um 6×1 em Amsterdã. Nas oitavas de final, atropelou o Eintracht Frankfurt e só parou nas quartas, depois de dois jogos duros contra o Milan. Nem a equipe de Maradona foi tão longe na principal competição europeia.
A Europa foi plano de fundo pra campanha doméstica espetacular. O campeonato ainda não terminou, mas o Napoli chegou aos 80 pontos, depois do empate contra a Udinese, conquistando o título com cinco rodadas de antecedência. 25 vitórias, cinco empates e apenas três derrotas. Foi em Turim que todo napolitano soube que falar em Scudetto não traria mais azar. A vitória na 31ª rodada, contra a Juventus, que dominou o futebol italiano na última década – foram nove títulos seguidos de 2012 a 2020 -, foi mais que especial.
Vencer na Itália, desde os tempos de Maradona, sempre foi mais importante que uma campanha europeia. Fazendo uma analogia torta, com um exemplo do outro lado do Atlântico, o Napolitano se sente como um nordestino ou um nortista, aqui no Brasil. Negligenciado, esquecido, ridicularizado e vítima de preconceito.
Uma faixa na torcida do Milan, no confronto entre os dois em San Siro, tomou conta das redes sociais após a partida. A faixa, estendida na principal torcida organizada do Milan, dava coordenadas de uma loja em Nápoles com o nome de “Água e Sabão”. Nortistas de Milão e Turim, usam termos pejorativos contra os habitantes do Sul da Itália, afirmando que eles são sujos, ignorantes, criminosos e que não sabem falar. Um preconceito contra o aspecto menos desenvolvido da região e o jeito de falar dos habitantes de lá.
Porém, na noite desta quinta-feira, 04, Nápoles está no topo da Itália e o idioma nacional é o Napolitano. Conquistar o Italiano, deixando pra trás as potências das “cidades grandes”: Juventus, Milan e Internazionale, vale muito mais que um título. Vale a afirmação de que Nápoles pode tanto quanto eles. Que o Napoli, com todos os percalços, luta no topo contra as grandes potências e não deve nada a ninguém. A taça deveria ter sido conquistada em Nápoles, mas o título em Udine, a mais de 800km de distância, mostra que o Napoli não é só de Nápoles. O Napoli é da Itália e a Itália é do Napoli.