A grande história dos bastidores do Chelsea finalmente se tornou pública: pouco mais de dois anos depois da compra do clube por £2.3 bilhões por conta das sansões ao então proprietário Roman Abramovich, a relação entre Clearlake Capital, acionista majoritária dos Blues, e Todd Boehly está em frangalhos.
O fato de que as questões nos bastidores estavam balançando não era segredo. Contudo, indicações mais específicas sobre problemas nas relações entre Boehly e a Clearlake, sobretudo na figura de Behdad Eghbali, vinham sendo negadas até então. Mas, com a reportagem da Bloomberg na última semana relevando que Boehly e a Clearlake estariam explorando suas opções, as partes confirmaram publicamente pela primeira vez que as relações estão estremecidas.
A empresa voltada para o capital privado, que além de Eghbali tem Jose E Feliciano como figura central, é a maior acionista do Chelsea, com 61,5% das ações de controle. Boehly, junto com seus parceiros investidores Hansjorg Wyss e Mark Walter, detém 38,5%.
De acordo com o The Athletic, fontes próximas a Boehly teriam afirmado que o empresário considera suas relações com a Clearlake e com Eghbali irreconciliáveis. Outras fontes também afirmam que os dois nem conversam entre.
Em meio a muitos outros pontos de discórdia, há um amplo consenso de que três fatores em particular contribuíram para essa cisão entre os proprietários do Chelsea:
- Uma diferença cultural fundamental sobre como o clube deve operar, com a Clearlake e Boehly acreditando que o outro tentou influenciar indevidamente as decisões esportivas.
- A decisão de romper mutuamente com o treinador Mauricio Pochettino no final da última temporada, que expôs as primeiras discordâncias públicas entre Boehly e a estrutura de liderança do clube.
- A falta de progresso tangível no projeto do estádio nos últimos dois anos, com o clube ainda não decidido entre uma reforma ou reconstrução de Stamford Bridge, ou uma mudança para Earl’s Court (terreno próximo ao atual estádio dos Blues).
Segundo o The Athletic, por conta dessas divergências, as partes fizeram uma reunião para explorar suas opções. Boehly e seus associados receberam abordagens de investidores nas últimas semanas com a intenção de comprar a parte da Clearlake, enquanto a Clearlake tem aspirações de comprar a parte de Boehly.
O Chelsea nas janelas de transferência
Desde a venda do Chelsea para o consórcio BlueCo, o clube se tornou uma forte presença nos mercados de transferências globais. O clube gastou mais de £1.2 bilhão em jogadores e fez mais de £500 milhões em vendas, com compras e vendas ocorrendo em meio a processos um tanto caóticos.
Boehly é o principal citado nas críticas a postura do clube londrino nas janelas de transferências. No entanto, o empresário não está à frente do recrutamento dos Blues desde o fim da janela de inverno europeu, em janeiro de 2023, quando ele abriu mão de seu cargo de “diretor esportivo interino” e retomou suas funções cotidianas nos bastidores do clube.
A renúncia do empresário coincidiu com a nomeação de Paul Winstanley e Laurence Stewart como co-diretores esportivos. Ao mesmo tempo, por outro lado, a janela do inverno europeu de 2023 marcou o início de uma nova estratégia de recrutamento do clube: o foco na contratação de jovens talentos sob um regime de salários de base baixa, com altos incentivos contratuais.
A nova dupla de diretores, especialmente Winstanley, recebeu responsabilidades rapidamente, assumindo as negociações e transferências do Chelsea juntamente com Eghbali. Eles foram os responsáveis pelas contratações de Mykhailo Mudryk e Enzo Fernández, nos dias finais da janela de janeiro de 2023, por um valor somado de €190 milhões.
Nos meses que seguiram desde então, Winstanley e Stewart continuaram a trabalhar de perto com Eghbali, que está mais envolvido nas operações diárias em Stamford Bridge e no complexo de treinamento de Cobham do que qualquer outro membro do grupo proprietário. Além disso, por ser o grande representante da Clearlake no clube, ele ainda pode ser considerado a figura mais poderosa no Chelsea.
A tensão que surge disso é fruto da discordância sobre como os proprietários do clube devem se comportar. Enquanto Boehly prefere uma abordagem de contratação de especialistas para realizar tarefas mais técnicas esportivamente falando, como fica evidente pelo seu trabalho com o Los Angeles Dodgers, da Major League Baseball, Eghbali está engajando fortemente na pasta esportiva. Sendo fontes ligadas ao homem da Clearlake, esse engajamento é apenas um apoio aos co-diretores esportivos, em especial para apoiar nas negociações dos valores e estruturação dos contratos.
Em relação aos bastidores das transferências, apesar de possuir voto de veto em relação aos nomes perseguidos pelo clube, Boehly nunca os utilizou. Da mesma forma, a Clearlake não atrapalhou o empresário quando ele era o diretor esportivo interino, embora as primeiras janelas do Chelsea depois da venda tenham sido caóticas por conta do rápido processo de venda e passagem da administração do clube do russo para os americanos.
Quem é a pessoa certa para o projeto?
Com muitas contratações, em grande parte de jovens jogadores, a escolha do treinador certo sempre foi uma prioridade da BlueCo. Houve um consenso entre Boehly e Eghbali em relação à demissão de Thomas Tuchel no início da temporada 2022/23, com os dois lados acreditando fortemente que o treinador não era o nome ideal para estar à frente do time no novo momento do clube.
No entanto, em relação a Mauricio Pochettino, a história foi diferente. A temporada do argentino no comando do Chelsea não foi boa, no geral. Os Blues fizeram mais uma temporada bem abaixo do esperado, embora Pochettino tenha conseguido dar alguma organização ao time e conseguir resultados importantes na reta final de 2023/24.
Sendo assim, os rumores sobre o futuro do argentino foram aumentando conforme as campanhas do Chelsea avançavam. No fim da campanha da Premier League, em maio, o argentino não tinha certeza sobre seu futuro, embora parecesse positivo em relação a sua permanência em Stamford Bridge.
Parte dessa positividade se deu por conta de declarações de Boehly, que fez manifestações públicas em apoio a Pochettino e a necessidade de ter paciência:
“Paciência sempre foi um pensamento para nós. Esse é um time jovem e animador que estará junto por um longo tempo. Se você olha para franquias que dominam por um longo tempo, eles tem estabilidade no time, na diretoria e na comissão técnica“, disse o empresário na conferência da Sportico.
O apoio foi além, antes do jogo final do Chelsea em 2023/24, contra o Bournemouth, o empresário convidou o então treinador da equipe profissional masculina para um jantar. O fato foi confirmado pelo próprio Pochettino em sua última entrevista coletiva pré-jogo pelo clube londrino.
Contudo, menos de uma semana mais tarde, o clube anunciou que havia chegado a um acordo com o argentino para terminar sua passagem pelo oeste de Londres. A decisão foi tomada após uma longa reunião entre Boehly e Eghbali, que contou com a participação dos co-diretores esprotivos.
De acordo com o The Athletic, Winstanley e Stewart tinham se encontrado com Boehly, em particular, para discutir a possível mudança no comando da equipe. Na ocasião, o empresário respondeu positivamente aos termos, com suas ações e declarações posteriores indo surpreendentemente na direção contrária.
Embora fontes distintas atribuam importâncias diferentes a esse fato na divisão entre os proprietários do Chelsea, é evidente que o tema da permanência ou não de Pochettino representa um favor de cisão entre as metas e objetivos dos grupos. Por um lado, o investimento de Boehly é dinheiro pessoal e ele vê os seus investimentos esportivos como de longo prazo e para toda a vida. A Clearlake, enquanto fundo, administra dinheiro em nome dos investidores.
Ambas as partes já haviam fechado negócios juntas, porém, a BlueCo e sobretudo o Chelsea é o primeiro negócio que Boehly e a Clearlake administram juntos. As tensões que surgiram fizeram barulho a ponto de incomodar Pochettino na sua curta passagem por Stamford Bridge, enquanto a partida do argentino ilustrou um ponto de divergência central entre os dois grupos.
Stamford Bridge: reforma ou alternativa?
Uma das questões mais latentes no consórcio BlueCo, desde sua oferta para adquirir o Chelsea, é sobre o futuro de Stamford Bridge. Era de entendimento comum entre Boehly e os representantes da Clearlake que o estádio dos Blues precisava ser uma das prioridades na nova fase do clube. Eles pretendiam anunciar um plano para Stamford Bridge no final de 2022, então o prazo foi adiado para 2023 e novamente para 2024.
Até agora, nenhum plano foi anunciado pelo clube, embora os rumores e as possibilidades não sejam poucos.
Ao longo do tempo, a responsabilidade sobre Stamford Bridge passou por algumas mãos, o que permite entender melhor o porquê dos adiamentos e a falta de decisão sobre o que fazer em relação ao estádio. Existe, entretanto, uma certeza sobre o tema: a figura de Jason Gannon.
Na última semana, Gannon, ex-diretor-gerente do SoFi Stadium em Los Angeles, assumiu os cargos de presidente e diretor de operações do Chelsea. Boehly e a Clearlake concordam com a nomeação dele e com a atribuição da responsabilidade de liderar o projeto do estádio. A discordância, então, surge no andamento dos planos, ou melhor, na falta de andamento.
Hoje, Stamford Bridge tem apenas a nona maior capacidade de público dentre os clubes da Premier League. Isso, acima de tudo, significa um teto menor nas possibilidades de lucro nos dias de jogos, apesar da decisão controversa tomada na intertemporada de aumentar o preço dos ingressos para 2024/25. Foi a primeira vez em mais de uma década, que o preço dos ingresso do Chelsea subiu.
Ademais, é importante destacar que pela segunda temporada consecutiva, os Blues começam suas campanhas sem um patrocinador principal na frente do uniforme, o que ilustra a necessidade ainda maior de buscar lucro em outros lugares.
A meta provisória do Chelsea de estar jogando em uma nova casa até 2030 é bastante otimista, com a reforma ou reconstrução de Stamford Bridge despontando como as principais opções viáveis no momento. Em março deste ano, a Earls Court Development Company, dona de um terreno de interesse da BlueCo para pensar o novo estádio do clube inglês, revelou planos detalhados para a primeira fase de sua proposta de trabalho no local do centro de exposições, com o objetivo de iniciar a construção em 2026.
Uma nova aquisição?
A principal solução apontada para a série de grandes impasses que geram questões ainda maiores sobre o futuro do Chelsea. Tanto o The Athletic como o The Guardian apontam para o interesse da Clearlake Capital considerar a possibilidade de comprar a parte de Todd Boehly ou fechar um acordo com o bilionário que removeria sua influência, deixando-o com pouco mais do que um papel cerimonial. Da mesma forma, ambos os veículos apontam que Boehly não está disposto a abrir mão de sua parte, e considera comprar a parte da Clearlake.
As disputas nos bastidores dos Blues devem seguir por algum tempo, enquanto a pressão sobre Enzo Maresca e sua equipe segue grande pela necessidade de retornar à Liga dos Campeões como forma de justificar os gastos nos últimos anos.
Por outro lado, há também a equipe feminina profissional do Chelsea, que terá uma nova comandante após mais de uma década de estabilidade e inúmeras conquistas sob o comando de Emma Hayes. Em maio, o clube anunciou um novo plano de crescimento para a equipe feminina, com o principal ponto sendo a busca por novos investimentos externos.
A BDT & MSD Partners, um banco mercante global, foi contratada como consultora financeira para um potencial investimento minoritário no clube, incluindo a avaliação de interesse relacionado ao Chelsea Women. Nada mais sobre essa questão foi noticiado pelo clube, deixando ainda mais questões sobre o que o futuro reserva em uma nova frente.