Criado há apenas 24 anos, o Sheriff Tiraspol é o primeiro representante da Moldávia na história da Champions League, tornando-se uma das maiores surpresas da competição. Embora tenha sido eliminado, amargurando apenas o terceiro lugar no difícil grupo D, a equipe fez uma boa campanha, levando em conta a ausência da tradição futebolística no país. Entretanto, as contradições evolvendo a história do Sheriff trataram de lançar os holofotes para esse pequeno país do Leste Europeu.
Apesar de competir pela Moldávia, o clube pertence a região separatista da Transnístria, cuja capital é Tiraspol. Além do protagonismo na liga mais badalada do mundo, o Sheriff se encontra no epicentro de um conflito geopolítico que se arrasta por décadas na Europa Oriental.
O histórico do conflito
A Moldávia é um país situado no Leste Europeu, possuindo forte relação com a Rússia, que domina a geopolítica da região há décadas. Isso tem uma explicação: o país moldavo fora uma das tantas repúblicas que compunham a União Soviética, uma das maiores potências do Século XX, dissolvida em 1991.
Uma das consequências do passado soviético são os conflitos separatistas. Enquanto a maior parte do país apoiou a separação da URSS, a população situada na região da Transnístria queria a permanência da união com os russos soviéticos.
Os que apoiavam a dissolução se encontravam na metade mais ocidental do país, possuindo relações étnico-culturais com a Romênia. Por sua vez, a camada oriental (além do rio Dniestre, daí o nome Transnístria) possui identificações com a Rússia e a Ucrânia, inclusive adotando o idioma russo e o alfabeto cirílico.
Desse conflito, surgiram duas facções nacionalistas que advogavam interesses opostos: os que se identificavam com a Moldávia, reivindicando a separação da antiga URSS. E os rebeldes transnístrios, que não se reconheciam como moldavos, buscando uma reincorporação à Rússia Soviética. No auge das tensões, estoura um guerra civil entre 1990/1992.
Com o passar dos anos, a Transnístria passou a receber um tratamento diferenciado do governo moldavo, possuindo relativa autonomia e sendo autodeclarada independente de maneira unilateral.
Apesar de não ter sua autonomia reconhecida internacionalmente, o país conta com leis próprias, moeda diferenciada (Rublo da Transnístria), bandeira própria (com foice e martelo — semelhante a da URSS), governo autônomo (soviete supremo) e tem um grande contingente que utiliza o idioma russo.
KGB e a criação do Sheriff
O clube foi fundado em 1997, dominando em pouco tempo o cenário do futebol moldavo — são 19 títulos nacionais (13 deles consecutivos). O nome da equipe não é por acaso. A Sheriff é a segunda maior empresa privada da Moldávia, dominando completamente a economia da Transnístria e possuindo como principal peça publicitária o Sheriff Tiraspol, clube fundado pela companhia. O conglomerado é responsável por postos de gasolina, canais de televisão, empresas de telefonia, redes de supermercado, além de estar envolvido em negócios, no mínimo, duvidosos.
A empresa foi fundada pouco depois do colapso da URSS por Viktor Gushan e Ilya Kazmaly, dois ex-agentes do serviço secreto soviético, a KGB. Em pouco tempo, a Sheriff dominou o mercado local, influindo, também, na política moldava. Os dois agentes são partidários do ideal separatista, utilizando da Sheriff como arma econômica e política nesse processo.
Além disso, a Moldávia é considerada um paraíso para negócios escusos. Desde o fim da União Soviética, a instabilidade política e o controle aduaneiro frágil, fizeram o país se tornar rota privilegiada de contrabando de armamentos, tráfico de drogas e máfias generalizadas.
Sheriff e o futebol
Nos últimos anos, as aspirações megalomaníacas da dupla de magnatas surtiram efeito. A empresa passou a injetar um capital estrondoso no clube, com o intuito de fortalecer e demonstrar o poderio dos negócios da Sheriff. O elenco atual conta com atletas de todos os cantos do mundo, possuindo milionárias cotas de patrocínio, apoio das federações regionais e muito capital privado para investir no aprimoramento da estrutura esportiva.
Da mesma forma, a empresa está inserida em alguns escândalos de corrupção envolvendo favorecimentos por parte da Federação de Futebol da Moldávia, a FMF. A Sheriff teria usado seu poder de influência para garantir a hegemonia do clube, contando, inclusive, com a mudança de algumas regras e datas de jogos para beneficiar a equipe.
O maior exemplo desse poder é a construção de seu gigantesco complexo esportivo. A estrutura de 40 hectares conta com um estádio para jogos grandes, um para jogos pequenos, uma arena coberta para jogos no inverno, campos de treinamento, quadra de futsal, centro de formação de atletas, hotel 5 estrelas e uma luxuosa sede para o clube.
Confira algumas fotos aqui: