Cruzeiro Esporte Clube: A Crise

A crise vivida pelo Cruzeiro Esporte Clube pode ser resumida em duas palavras: incompetência e crime. Para aqueles que não acompanham de perto a situação do clube mineiro, é preciso regressar ao início desta década para entender todo o contexto que levou a equipe 5 estrelas a viver o pior momento de sua história (quase) centenária.

OBS: Atentem-se aos hyperlinks ao longo do texto para o complemento da análise!

Do céu ao inferno

Em 2011, a Raposa teve um início de temporada avassalador. Vindo de um vice-campeonato brasileiro no ano anterior, a equipe celeste liderou as estatísticas da Libertadores e conquistou o campeonato mineiro no primeiro semestre.

Chegando a ser considerada o ‘Barcelona das Américas’ pelo treinador Diego Aguirre, comandante do Peñarol à época, a equipe foi desmontada após precoce eliminação no torneio internacional (caiu nas oitavas para o Once Caldas) e conviveu com a zona de rebaixamento da competição nacional até a última rodada, se livrando do pior com uma sonora goleada sobre o arquirrival.

Ex-presidente do Cruzeiro Esporte Clube, Zezé Perrella

Esse cenário foi a deixa de Zezé Perrella na política do clube, ao menos diretamente já que todos sabiam de sua influência nos bastidores. O ex-senador entregou o clube ao novo presidente, Gilvan de Pinho Tavares, com a menor dívida dentro os 12 grandes clubes do futebol brasileiro, evidenciando que o problema atual é fruto de gestões recentes.

Início da Era Gilvan no Barro Preto (2012-2014)

O Cruzeiro adentrou em 2012, sob a gestão do presidente Gilvan, retornando a Belo Horizonte, já que o Mineirão e o Independência se encontravam fechados para reformas destinadas à Copa do Mundo de 2014. Neste ano também se iniciou a trajetória de Alexandre Mattos, competente diretor de futebol, mas também famoso pelo gasto excessivo, pelo lado azul de Belo Horizonte.

Gilvan de Pinho Tavares, ex-presidente do Cruzeiro Esporte Clube

A pressão de quase uma década sem títulos importantes, além do bom momento vivido pelo maior rival, culminou na “necessidade” de montar uma equipe forte para o ano de reinauguração do Mineirão (2013). Dessa forma, a chegada de jogadores como Everton Ribeiro, Dagoberto, Ricardo Goulart e Júlio Baptista elevou o patamar do esquadrão celeste, mas também aumentou os custos do dia a dia (salários, direitos de imagem, premiações etc.).

Mesmo vendendo importantes nomes da campanha regular de 2012 (apenas 9° colocado no campeonato brasileiro), como o camisa 10 Montillo, o Cruzeiro consolidou um modelo de gestão bastante temerário: gerar dívidas incapazes de serem pagas com as receitas anuais.

Sendo assim, a diretoria começou a postergar débitos, sobretudo as pendências na Fifa, sem desenvolver qualquer planejamento que visasse a segurança financeira da instituição a médio/longo prazo.

De qualquer forma, o plano “funcionou” em 2013/2014 quando a equipe conquistou o bicampeonato brasileiro, mas a saída de profissionais competentes em 2015, somada ao ego inflado de dirigentes remanescentes, culminou no gasto equivocado da maioria dos recursos obtidos.

Para se ter uma ideia, a compra de Giorgian de Arrascaeta, nome escolhido para substituir Everton Ribeiro, não foi totalmente paga até hoje e é motivo de processo na Fifa com a equipe do Defensor-URU.

Incompetência escancarada no segundo mandato (2015-2017)

Após esse período, houve um hiato de 2 anos sem títulos e com campanhas conturbadas no campeonato brasileiro. A excessiva troca de treinadores prejudicou a consolidação de um modelo de jogo, além de, obviamente, aumentar a dívida com ex-comandantes pelas subsequentes multas rescisórias a serem quitadas (Paulo Bento, treinador português, inclusive move uma ação na Fifa para receber vencimentos de 2016).

O ano posterior, 2017, veio a ser uma temporada muito importante, mas não devido à conquista da Copa do Brasil, mas pela eleição da chapa da denominada “Quadrilha União”, encabeçada pelo presidente Wagner Pires de Sá e, pasmem, apoiada pelo então mandatário Gilvan de Pinho Tavares. Para aqueles que não conhecem os bastidores políticos do clube, Quadrilha União é o termo utilizado pela torcida cruzeirense para se referir a ala política do clube responsável pela gestão mais temerária de um clube brasileiro na história.

Era Wagner Pires de Sá + Itair Machado (2018-2019)

Ex-Presidente do Cruzeiro, Wagner Pires de Sá

Após assumir o maior posto dentro do clube, Wagner cedeu plenos poderes a Itair Machado, dirigente cuja fama era terrível em Minas Gerais pela forma como conduziu a equipe do Ipatinga, hoje apenas uma mera lembrança do que foi década passada. A quebra da promessa de que Itair não seria incluído na diretoria, feita por Pires de Sá a Gilvan, foi um motivo substancial para implodir a guerra política que perpetua nos bastidores até hoje.

O mandato de Wagner Pires de Sá, mero fantoche de Itair, foi marcado por uma sucessão de crimes, além de ter manchado a história do clube com o inédito descenso à Série B. Com uma política de pão e circo, a diretoria cedeu privilégios a organizadas e imprensa, além de manipular a torcida em geral com discursos populistas e compra de brigas baratas: provocações ao rival e romantização de rixas com equipes do eixo.

Dessa forma, a corja construiu o cenário perfeito para camuflar o desvio de verbas em contratações/renovações com valores exorbitantes (vinda de Rodriguinho, renovação de Fábio e Thiago Neves etc.), pagamento de débitos individuais com recursos da instituição, além de diversos outros crimes que vêm sendo investigados pelo Ministério Público de Minas Gerais.

Após as denúncias feitas no Fantástico, a bomba estourou na Toca da Raposa 2. A verdade sobre o uso indevido dos recursos financeiros começou a vir à tona, e problemas como atraso de salário, perda de comando (demissão de Ceni para agradar a panela do elenco), entre outros, começaram a se tornar comuns. A reportagem de Gabriela Moreira e Rodrigo Capelo foi fundamental para abrir os olhos dos torcedores (enquanto para alguns era perseguição da imprensa do eixo).

Nem mesmo as vendas pontuais, por valores bem abaixo do mercado, de atletas importantes, como Raniel e Lucas Romero, conseguiram sanar a economia de uma temporada no clube, já que a incompetência da gestão 2012-2017 somada aos crimes cometidos entre 2018/2019 destruíram toda a estabilidade construída pelo Cruzeiro décadas atrás.

A transição política e o começo de 2020

Como consequência de toda a turbulência econômica e esportiva, a Raposa foi rebaixada pela primeira vez em sua história. A revolta da torcida foi grande, embora muitos acreditem que foi tardia, e culminou em diversas manifestações contra a diretoria de Wagner Pires de Sá.

Após muito esforço, os dirigentes renunciaram e o clube foi assumido por um conselho gestor com importantes figuras do mercado mineiro, como Pedro Lourenço (dono do Supermercados BH e mecenas da instituição celeste) e Vittorio Mediolli (prefeito de Betim e proprietário do Sada).

Imerso em um cenário caótico, o conselho gestor priorizou as questões administrativas, tentando viabilizar a sobrevivência do clube em curtíssimo prazo e buscando soluções para a estabilização financeira do Cruzeiro em um futuro mais distante. Em consequência disso, o carro-chefe do clube foi “deixado de lado”, sendo comandado por profissionais de qualidade duvidosa, como Adilson Batista e Ocimar Bolicenho.

Além disso, a saída de jogadores em manada, efeito dos vários meses de salários não pagos desde o ano passado, prejudicou bastante qualquer planejamento do departamento de futebol. Para suprir as carências do elenco, diversos jovens foram promovidos à equipe profissional de forma prematura, e muitos jogadores fracos tecnicamente foram contratados apenas para fazer número (exemplos como João Lucas, hoje no Avaí, e Roberson, que não foi relacionado para as últimas partidas).

Para dificultar ainda mais os trabalhos, houve o surto de COVID-19, e assim como em todos os outros clubes do país, os recursos financeiros se encurtaram ainda mais. A pandemia também retirou uma importante verba com a qual a diretoria cruzeirense contava para esta temporada: bilheteria e sócio-torcedor.

Contudo, é válido lembrar que o Cruzeiro ainda precisa pagar uma punição de 5 jogos com portões fechados, em decorrência do vandalismo praticado nos últimos jogos do Campeonato Brasileiro 2019. Mesmo com a suposta liberação de público ainda na atual edição da Série B, a torcida celeste só poderá empurrar o time presencialmente alguns jogos depois.

O final da participação do Conselho Gestor à frente do Cruzeiro, embora tenha feito um reconhecido trabalho administrativo, foi marcado por decepções e brigas políticas. A equipe de Adilson Batista fez uma campanha pífia na fase classificatória, basicamente eliminando qualquer possibilidade de avanço à 2ª fase da competição. Além disso, a dívida com o Al Wahda-EAU não foi paga, culminando na perda de 6 pontos na Série B. Tal episódio ainda gera rumores sobre empréstimos negados, jogadas políticas e afins até hoje…

É importante lembrar que essa é apenas uma das dívidas que atormenta o Cruzeiro atualmente. A falta de pagamento da segunda parcela do débito com o Zorya, referente à compra do meia Willian ainda em 2014, é o fator responsável pela impossibilidade de inscrição de novos atletas atualmente.

Tudo isso é fruto daquela falta de planejamento financeiro a longo prazo, à qual me referi quando ainda abordava a gestão Gilvan de Pinho Tavares, e hoje é uma bola de neve para a diretoria do clube. A exclusão permanente do PROFUT também é um fator bastante grave para a estabilização econômica celeste.

Um “Novo Cruzeiro” nem tão novo assim…

Presidente do Cruzeiro Sérgio Santos Rodrigues

Eleito no final de maio, Sérgio Santos Rodrigues, hoje já reeleito para o próximo triênio como presidente do Cruzeiro, assumiu a missão de devolver a equipe para a elite do futebol brasileiro e implementar uma gestão técnica no clube. Prova disso são suas principais falas em público: “somos um clube apaixonadamente profissional” e “No data no talk”.

Digo que o novo Cruzeiro não é tão novo assim, pois velhos problemas ainda assolam a atual diretoria. A diferença entre o discurso e a prática é nítida, tendo em vista que existem muitos profissionais no clube, sobretudo ligados ao futebol, que não se justificam pelas suas qualidades técnicas e tem a presença constantemente questionada pelo torcedor (vide Deivid e Benecy Queiroz).

Além disso, o clube segue sem critério para realizar contratações, sempre se escorando na opinião do atual treinador, mas nunca seguindo um planejamento a longo prazo. Dessa forma, sempre que há a troca do comandante (já caminhamos para o 3° técnico da gestão SSR, após as demissões de Enderson Moreira e Ney Franco), há também a indicação de novos atletas, perda de espaço dos jogadores de confiança do treinador passado e assim se segue um círculo vicioso.

Consequência dessa falta de gestão no departamento de futebol é o aumento da folha salarial e um futebol de péssima qualidade. Mesmo tendo o maior gasto com salários da Série B, a qualidade do elenco é duvidosa e a falta de resultados nítida (ocupamos o 19° lugar).

Outro fator, e talvez o mais preponderante para o descontentamento geral do torcedor para com a gestão do Sérgio, é a falta de espaço que nós, aficionados, temos nas tomadas de decisão. Claro que as gestões passadas também possuíam tal característica, mas a partir do momento em que um novo presidente é eleito com a promessa de dar mais voz à torcida e não a cumpre, obviamente as críticas viriam como consequência.

Agora, para sair desta crise, o Cruzeiro necessita se acertar também dentro das 4 linhas e isso passa pela escolha de um treinador que consiga transmitir confiança ao elenco e atinja resultados em curto prazo. Em caso de não acesso e, em um cenário pessimista, de rebaixamento à Série C, as dívidas sufocarão ainda mais o clube, podendo chegar a um ponto irreversível.

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