O Flamengo vive, com um treinador português, uma guerra entre escolas de futebol opostas

 

Vítor Pereira elogia Flamengo e explica barração de Gabigol: "Conversa foi tranquila" | flamengo | ge
Vítor Pereira contra o Fluminense, na final do campeonato carioca.

 

No fim de 2022, após a conquista de dois títulos relevantes, a diretoria rubro-negra resolveu fazer uma curva brusca no comando técnico e, para a surpresa de todos e para a surpresa de ninguém, trocou o brasileiro Dorival Jr. pelo português Vítor Pereira.

Há um ano, após a perda traumática da Libertadores para o Palmeiras de Abel Ferreira, Marcos Braz e companhia fizeram o mesmo movimento: retirar um treinador de uma escola de jogo aposicional e colocar em seu lugar um amante do jogo físico, direto e posicional. Em ambos os casos, os homens da terrinha chegaram com a premissa de profissionalizar o departamento de futebol, na posição de suprassumos da tática e estratégia.

O fim de Paulo Sousa já é conhecido. O fim de Vítor Pereira, ao que tudo indica, será o mesmo, na mesma época do ano, pelos mesmos motivos. 

A falta de critério na contratação de treinadores não é uma exclusividade da diretoria do Flamengo, mas, com certeza, é uma marca dela. Em mais de uma ocasião, já foi provado que os jogadores do plantel atual não são os ideais para o tão famoso e conclamado jogo posicional. É o mesmo que colocar um urso na savana, ou um camelo na Antártica.

Entendamos, então, por que o Flamengo atual não rende, mesmo nas poucas e suadas vitórias.

Épocas áureas do elenco atual

Antes de analisar as fases ruins, lembremos das melhores épocas do time de Gabi, Arrascaeta, Éverton Ribeiro e etc. A equipe de Jorge Jesus jogava no esquema 4-4-2 com dinâmicas que se formavam a partir de onde estava a bola. Arão se colocava entre os dois zagueiros para fazer a saída, os dois laterais ficavam abertos, e os dois meio campistas (Everton e Arrascaeta), de costas, davam opção nas “entrelinhas”. 

Assim, eram formados dois triângulos em lados opostos do campo e os jogadores se organizavam e se agrupavam conforme a movimentação da bola. Na construção pela direita, Gabi saía da área e Bruno Henrique era a opção de centroavante. Na construção pela esquerda, o inverso ocorria. 

 

Flamengo assimétrico e eficiente de Jorge Jesus.

 

Já o Flamengo de Dorival Jr. tinha como marca ofensiva a aglomeração de jogadores no meio. Quando a bola passava da primeira fase de construção, Pedro se posicionava próximo à meia lua para atuar como pivô e havia um intercâmbio de posições entre Arrascaeta, Everton e Gabi

A aproximação e triangulação rápida dos homens de frente eram fatores responsáveis pelo surgimento de jogadas. Além disso, Rodinei era a opção de velocidade e jogo fundo, na hora da necessidade de variação construtiva.

 

Flamengo losango de Dorival Jr.

 

Apesar das particularidades, os dois trabalhos possuíam a característica comum de conferirem liberdade de posição aos atletas. Recebe, pensa e “toco y me voy”. Cada jogador possuía a liberdade de percorrer longas distâncias e fazer sua movimentação conforme a sua própria função. Daí o termo jogo funcional. Bingo.

Dessa forma, no primeiro e segundo terço, a bola era trabalhada com paciência, até o espaço vazio ser encontrado. Então, no último terço, o de ataque, a jogada era trabalhada com rapidez. Tabelas, cadência, aproximações, triangulações… É o jeito sudaca de fazer arte com a bola. 

Má fase com Vítor Pereira

E o Flamengo 2023, como joga? De maneira oposta a tudo isso. O treinador atual é de outra escola. Ele pensa o jogo diferente. Ele tenta chegar ao gol de forma diferente. Ele aprendeu outro tipo de futebol.

Passadas as turbulências dos primeiros campeonatos do ano, Vitor começou a colocar suas digitais na equipe. Hoje, o time joga no 3-2-5. Três zagueiros de origem, laterais como alas na amplitude e alta densidade na área. Na saída de bola, os volantes e laterais são acionados com passes longos vindos dos zagueiros ou goleiro para que a bola chegue rapidamente no ataque, e os meio-campistas ofensivos são mais úteis próximos à área, para aproveitar os cruzamentos, do que na construção de jogo.

 

Os três zagueiros de Vítor Pereira.

 

Os jogadores trocam de posição entre si, mas devem manter o desenho tático. Os espaços devem ser encontrados a partir da manipulação do tempo e das posições. Daí o termo jogo posicional. Bingo.

Para não dizer que não falei das flores, existem pontos positivos a serem destacados. Ayrton Lucas, como opção de velocidade e triangulação pela esquerda, cresceu de produção sob o comando do portuga. Além disso, a pressão pós-perda tem sido bem articulada. Os jogadores sobem sincronizadamente e conseguem cortar as linhas de passe no meio. Muitos gols e lances de perigo surgiram assim na atual temporada.

Conclusão

Devido ao histórico recente e ao que foi apresentado até agora, é mais provável que Vítor Pereira caia do que o plantel nada posicional do Flamengo se adapte ao estilo de jogo do técnico. 

Seria mais um treinador demitido com 6 meses de trabalho. Isso não é falta de profissionalismo? Sim, é. Porém, essa mesma falta de profissionalismo começa quando membros da diretoria não conseguem analisar as características do elenco que têm em mãos na hora de contratar um treineiro. E o fazem mais de uma vez.

O futebol posicional – tipicamente europeu – não é superior, ou mais competitivo, ou mais intenso que o futebol funcional, que foi dominante na América do Sul durante um bom tempo. Grandes títulos recentes foram conquistados com os princípios da posição submetida à função, a exemplo da Champions do Real Madrid de Ancelotti e da Copa do Mundo da Argentina de Scaloni. 

Resta Marcos Braz, Landim e boa parte da imprensa se convencerem disso.

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