AeroFla e nossos últimos resquícios de um futebol popular

No último dia 19 de novembro, uma multidão de torcedores do Flamengo tomou as ruas do Rio de Janeiro para servir como uma escolta aos craques rubro-negros que se dirigiam para Porto Alegre, onde o clube enfrentou o Internacional no último sábado e ainda enfrentará o Grêmio, mas o motivo maior dessa comoção dos torcedores é o próximo destino após o duelo contra o Grêmio: Montevidéu capital do Uruguai. É lá, que no próximo sábado (27) o Flamengo vai em busca da tão sonhada Copa Libertadores, em duelo contra o Palmeiras.

A movimentação de torcedores que foi feita antes da viagem do clube é uma prática conhecida dos rubro-negros, o chamado “AeroFla”, que é um movimento de apoio dos torcedores que inclusive ocorreu antes da final da Libertadores de 2019, ano que o clube saiu vencedor contra o River Plate-ARG. Mas porque um movimento para muitos tão simples segue chamando tanta atenção? É ai que entra uma discussão que vai além do apoio a uma instituição esportiva e passa a permear a situação atual do futebol e sociedade como um todo.

Após dois longos anos de pandemia, o torcedor pode enfim retornar aos estádios de futebol, é fato que se antes os ingressos já estavam em valores que para muitos eram inacessíveis, agora “pós-pandemia” esses valores ficaram ainda mais exorbitantes, tornando o esporte cada vez mais elitizado e afastando o torcedor que outrora foi formado nas gerais à cinco reais.

Torcedores sobem em cima do ônibus que levava os atletas (Reprodução/Twitter Oficial Flamengo)

Mesmo com o futebol sendo um esporte extremamente popular, alguns debates começaram a surgir pós-AeroFla. Afinal, alguns apontavam as ações dos torcedores como descabidas, e até mesmo selvagens, contudo todas essas análises descartam ou ignoram o fator social escancarado ali.

Se antes grande parte daqueles pessoas se faziam presentes no antigo Maracanã, e cantavam a plenos pulmões canções de apoio ao Flamengo, agora já não o fazem mais. Os valores do futebol moderno e do novo normal afastaram cada vez mais o povo do estádio, tornando o esporte mais popular do mundo um simples programa para pessoas com poderio financeiro suficiente para pagar 60, 90, até 300 reais em um ingresso sem se importar com as demais despesas de um cidadão normal.

O caso Filipe de Barros e os torcedores “invisíveis”

Durante toda aquela multidão, uma cena chamou mais atenção e rodou o mundo inteiro. Um torcedor, mais precisamente Filipe de Barros Marques de 28 anos, abriu uma das saídas de emergência do ônibus e conseguiu se declarar aos jogadores. Filipe é só mais um dos tantos torcedores do time mais popular do país que viu no AeroFla a chance de se aproximar do clube prestes a decisão, sem precisar se sacrificar financeiramente de uma forma que devido a desigualdade social e a forte crise vivida no país, poderia ser prejudicial a ele.

Em conversa com o jornalista Venê Casagrande, Filipe foi claro ao dizer que não frequenta muito o Maracanã e afirmou ter ido apenas uma vez, já que suas condições financeiras não lhe permitem ser presença frequente no estádio. Filipe trabalha como pescador, e disse que a rentabilidade da sua profissão infelizmente não é suficiente para que ele possa pagar os altos valores cobrados nos ingressos.

Preços populares um estádio diferente

Fugindo um pouco do AeroFla, mas ainda no aspecto dos novos valores de ingressos, outro exemplo mostra como preços populares modificam a cara dos estádios e trazem de volta um espetáculo de tempos atrás. Viajemos até Belo Horizonte, mais precisamente no Mineirão, no dia 09 de novembro, uma terça-feira.

O clube celeste brigava pela permanência na Série B, e precisava do apoio de seus torcedores, a opção do clube foi retornar ao Mineirão mas com preços populares, com ingressos variando de 10$ a 30$; e não deu outra, com uma limitação de 35mil pessoas, o clube esgotou as vendas e o que se viu foi uma atmosfera pulsante no Gigante da Pampulha.

Torcedora faz homenagem a cantora Marilia Mendonça em paralelo a situação vivida pelo Cruzeiro. Reprodução/Twitter Cruzeiro

A volta do povo ao estádio trouxe ao Cruzeiro o animo necessário para vencer o Brusque e afastar o medo de um descenso para a 3º divisão nacional. Outro exemplo de que a espetacularização e elitização dos jogos de futebol afeta até na festa das arquibancadas.

Os últimos resquícios de um futebol popular

O retorno do Cruzeiro ao Mineirão a preços populares, o AeroFla e tantas outras manifestações por ai seguem sendo nossas últimas lembranças de um futebol que um dia pertenceu ao povo. A adesão tão grande de flamenguistas que seguiam a pé ao redor do ônibus, é a forma que o torcedor menos abastado tem de se conectar ao time e se sentir parte de uma possível conquista, já que aqueles que comandam o futebol querem cada vez mais privar o povo do espetáculo e transformam os estádios em verdadeiros teatros, onde só aqueles que são considerados “dignos” pelos cartolas merecem estar. Enquanto as pessoas que tanto fizeram e fazem pelos seus clubes do coração, mesmo na simplicidade, veem o espetáculo de fora e sonham em poder, quem sabe por alguma sorte do destino, ter condições de fazer parte novamente destes momentos.

Debater sobre setores populares, ingressos mais baratos e etc é uma urgência do futebol brasileiro e mundial, transformar a paixão de milhares em um artigo de luxo para poucos é uma prática nefasta e que não pode ser normalizada como vem sendo feita. É hora de olharmos para o AeroFla e torcer para que essas pessoas voltem com essa “selvageria” aos estádios, não é justo que o afeto do povo com o clube fique restrito a um simples contato com o ônibus da delegação.

 

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